Brasileiro dialoga com a arquitetura de Perret, em Paris

Só ontem, no seu último dia, consegui ver “Porticus” do escultor brasileiro Artur Lescher, no Palais d’Iéna em Paris. Bela exposição que, entre os dias 17 e 25  deste mês, ocupou este espaço emblemático  no qual as peças – algumas fabricadas especialmente para o lugar – “dialogaram” com a arquitetura.

Vídeo de Andres Otero

Sem entrar no mérito e nas questões estéticas desta obra silenciosa e coerente que acompanho desde que Artur expôs em nossa 19a Bienal de São Paulo, em 1987, a mostra me deixou especialmente feliz. Não porque um brasileiro ocupou, no coração da cidade, espaço tão importante de Auguste Perret, arquiteto mal compreendido e mal amado pelos franceses. Não porque seus trabalhos conseguiram conversar perfeitamente com uma arquitetura prodigiosa que se quisermos entender de verdade temos que nos deslocar ao Havre, como eu fiz, para conhecer a sua história peculiar e visitar tudo que a revela.

Se estou feliz é porque a ironia do destino quis que as obras de um artista chamado Artur Lescher preenchessem o espaço de um arquiteto antissemita, anticomunista, anti-maçonaria, herdeiro direto de Le Corbusier e tão “vichysta”* quanto ele.

Me deixa especialmente contente testemunhar que um escultor brasileiro – com o rigor, a depuração e o belo acabamento das formas que desenvolve – transcende de longe o brutalismo do concreto armado de Auguste Perret. Brutalismo que inspirou até mesmo a arquitetura totalitária da União soviética nos anos 1930.

Até a próxima que agora é hoje e de vez em quando, felizmente, ainda posso me orgulhar do meu país!

* Vichysmo: doutrina empregada pelo regime de Vichy durante a ocupação nazista da França.

 

 

Procura-se incerteza viva ou morta

Confirmação de ausência

Confirmação de ausência na visita prévia e festa para convidados

Entrevista imaginária de Rosalinda Fumarola, crítica de arte, curadora e gastrônoma ítalo-brasileira igualmente imaginária, ao jornal Valor Elevado, também inventado por mim. Em sua passagem por São Paulo, Fumarola, que habita em Milão, aceitou discorrer sobre a 32a Bienal de São Paulo, mesmo sem ter visto a exposição que acontece de 7 de setembro a 11 de dezembro de 2016 no Pavilhão Ciccillo Matarazzo.

Valor Elevado – A senhora foi à coletiva de imprensa da 32a Bienal de São Paulo no ano passado, quando veio de Milão?

Rosalinda Fumarola – Não fui. Quando soube do tema pressenti que, mais uma vez, o discurso crítico iria se sobrepor às intenções e à produção real dos artistas. Para não ficar irritada, resolvi ir à Pinacoteca, “Pina” para os íntimos. Depois tomei café com pão de queijo. E depois fui ao Masp reviver a “montagem Lina Bo Bardi” da minha juventude e lembrar do professor quando ficava vermelho.  Foi um programa delicioso!

V.E. – O professor Bardi? Vermelho?

R.F. – Sim. Eu sempre lembro dele vermelho. A primeira vez foi quando engoliu uma almôndega quente demais em um almoço na casa de uma escultora. A segunda foi no dia em que estava furioso com a crítica de arte do Estadão, que ele chamava de “aquela loira”.  Ela, “aquela loira” que ia visitar a Documenta de Kassel no final dos anos 70 quando ninguém em São Paulo sabia o que era – e adorava citar Harald Szeemann e Pontus Hultén – tinha escrito que o Masp  “não possuía ponto de vista”, que as exposições eram um “bricabraque sem leitura crítica”.

V.E. – Que coragem… E o professor?

R.F. – No dia em que estava vermelho no Masp, ele tinha acabado de escrever uma carta desaforada que o jornal A Prancha publicou. Você sabe, aquele jornal bastante híbrido e que é até hoje, o repositório de todas as cartas desaforadas que a “crème de la crème” paulista produziu. Mas “aquela loira” nem respondeu, o que deixou o professor um pouco frustrado e até mesmo lívido. Depois disso, só o vi vermelho quando foi assaltado na frente do museu, coitado. Mas a dona Lina deve ter visto ele vermelho muito mais vezes do que eu.

V.E. – Cof, Cof (tosse). Voltemos à 32a Bienal de São Paulo, ok? De fato, o curador disse que a exposição se propõe a “traçar” muitas coisas…

R.F. – Quem “traça” são os artistas e a arte deles. O problema é que geralmente existe um lapso muito grande entre a ideia e a realidade. É muito raro quando a arte do momento em que a Bienal se realiza, torna-se a MEDIDA ABSOLUTA da atuação curatorial. Não é boa coisa induzir os artistas a criar ou discursar o que queremos que eles criem ou discursem…

V.E. – Com efeito! Parece que 70% do que está lá foi feito especialmente segundo esse “desejo”.

R.F. – E 30% deve ser histórico e/ou foi pescado por toda parte, de forma a apoiar o discurso do curador.

V.E. – Mas ele é muito esforçado! A senhora leu a introdução dele? Fala em teoria da Informação, entropia, termodinâmica, equilíbrio, desordem, perda de informação, incapacidade da energia de um sistema, comportamentos radicais produtivos e imprevisíveis, princípio de incerteza, física quântica, matemática, astronomia, linguística, ciência da comunicação, biologia, sociologia, antropologia,  história,  educação, mundo globalizado, taxas de extinção na história geológica e biológica da Terra, espécie humana, destino da biosfera, sexta extinção, antropoceno, ecossistemas terrestres, caos temporal, partículas quânticas, medos, sistema Terra, ação imediata, consciência coletiva, pensamento cosmológico, ambiente e inteligência coletiva, ecologias sistêmicas e naturais, incerteza e narrativas, incerteza e cosmologia, incerteza e ecologia, incerteza e educação…

R.F. Li o esforço. Tudo… menos arte. Os franceses tem uma expressão muito boa quando uma coisa é assim pouco natural, forçada, complicada, pouco lógica, exagerada e alambicada. Eles dizem “tiré par les cheveux” (“puxado pelos cabelos”). É isso.

V.E. – E cita tanta gente, alguns indefectíveis e onipresentes! O físico alemão Werner Heisenberg, Claude E. Shannon, Warren Weaver, Sanford Kwinter, Elizabeth Kolbert, Déborah Danowski, Eduardo Viveiros de Castro, Déborah Danowski, Jonathan Rosenhead, Zygmunt Bauman, Richard Buckminster Fuller, Franco Berardi…

R.F. – Heisenberg a gente aprende no ginásio. Mas falta Einstein (risos). Não falta Bauman, claro. Aiaiai, quem aguenta ainda ouvir falar em modernidade líquida? E Franco Berardi me chamou atenção. No livro After the Future, ele diz (no sentido dele) que “a arte jamais é simbólica, mas sempre concreta”. Uma tragédia. Nem os que declararam a morte da arte nos anos 70 foram tão funestos! E o atual curador, esforçado e deslumbrado com tanta teoria, algumas passageiras – de pura moda – será que ele sabe que ninguém, olhando a exposição, vai pensar nisso tudo, jamais? Que diante das imagens, esse palavrório todo sempre fica perdido? Que se a Bienal for ruim e chata e não trouxer POR SI alguma reflexão, nenhum discurso no mundo poderá salvá-la?

“Acho que esta será a primeira ‘Bienal Bo-Bo’ do Brasil”

V.E. – Bem, o título é “Incerteza Viva”, para “refletir sobre as atuais condições de vida em tempos de mudança contínua e sobre as estratégias oferecidas pela arte contemporânea para acolher ou habitar incertezas”.

R.F. – Não diga…

V.E. – Como não digo?

R.F. – Quero dizer, essa ideia me parece mais um lugar comum. Passamos a vida explorando formas de viver com o desconhecido. Toda a arte de todas as épocas da humanidade refletiram e refletem sobre isso, não?

V.E. – Sim, mas o nome “Incerteza Viva”…

R.F. – Que nome feio!!! E redundante. Já ouviu falar em “Incerteza Morta”?

V.E. – Com efeito… Enfim, serão enfatizados trabalhos para uma sociedade diferente e formas alternativas de estar no mundo.

R.F. – Certo. São os “ares do tempo”.  Tudo que ouço até agora sobre a bienal me remete ao boboísmo.

V.E. – O que é boboísmo?

R.F. – Essa palavra acabo de inventar. É caráter ou modos de bo-bo. Não vou lhe dar uma aula para explicar o que é bo-bo (burguês-boêmio), sim? Existem livros a respeito. Boboísmo é a maneira de ser e sobretudo de pensar de uma classe, não social, mas cultural. Você encontrará isso em várias maneiras de a curadoria encarar a arte. Até no restaurante da bienal, você encontrará. Acho que esta será a primeira “bienal bo-bo” do Brasil (risos). Isso que está travestido de tudo que pertence ao planeta e que nem mais se parece com arte, continua arte de todo modo e é bem antigo. Cogumelos, moscas, ocas, certas pinturas, esculturas, não importa. Chama-se Arte Utópica. Desde que arte é arte, existem estratégias utópicas. Até Leonardo usava! Hoje é Huyghe ou Koo Jeong A que usam! Víctor Grippo do CAYC de Buenos Aires fazia batatas utópicas há vários decênios sob o olhar utópico do saudoso Jorge Glusberg… (risos) Glusberg, aliás, nunca ficava vermelho.

V.E. – O curador diz que…

R.F. – Olha, não quero mais saber. Essa história de fazer a exegese da incerteza (o que é um pouco ingênuo, diga-se de passagem), está me parecendo uma boa desculpa para fugir do verdadeiro papel das bienais.

V.E. – Qual é este papel?

R.F. – Servir como um barômetro da situação artística do planeta e partir não apenas da reflexão sobre os caminhos artísticos, mas sobretudo da prática mesma de torná-los compreensíveis para o público. Esta é a vocação das bienais.

V.E. – A senhora viu as lista dos artistas convidados?

R.F. – Não vi e não quero ver.

V.E. – Como assim?

R.F. – Não gosto de listas.

V.E. – Os jornalistas e o público adoram listas!

R.F.  Sou uma jornalista e uma curadora que odeia listas. Enquanto público, também detesto listas. Listas de exposições são como as notas de uma partitura que ainda não foram orquestradas pelo maestro. Notas sozinhas não valem nada, assim como nomes de artistas soltos, sem articulação, também não valem nada. Se a Bienal fosse uma competição esportiva, aí talvez eu quisesse conhecer a “seleção” prévia.

V.E. – Há ainda alguma coisa que a senhora gostaria de declarar?

R.F.  Sim. Gostaria de dizer que enquanto tomava o meu café com pão de queijo depois da Pinacoteca, quero dizer “da Pina”, fiquei em silêncio, fiz recolhimento, me concentrei. Lembrei até de Kant. Empreguei todos os meios para acreditar que o universo é uma incerteza. Agora sou eu que lhe pergunto: dá para ter uma incerteza dessas sem que ela se transforme numa certeza?


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“Quando soube do tema pressenti que, mais uma vez, o discurso crítico iria se sobrepor às intenções e à produção real dos artistas. Para não ficar irritada, resolvi ir à ‘Pina’ tomar café com pão de queijo.”

 

O jumento do Calder e seu jantar

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“Calder Swing”, Volker Kuhn

A leitura da matéria, primorosa como sempre, de Camila Molina sobre a exposição Calder e a Arte Brasileira, que está no Itaú Cultural em São Paulo, animou a minha memória. O contato com Alexander Calder é sempre inesquecível. Dá para entender por que existem relações fortes entre a obra dele e a de tantos artistas brasileiros.

Lembrei-me de quando descobri o seu trabalho; das vezes em que o vi em exposições e retrospectivas; e das várias outras em que me fiz fotografar ao lado de suas esculturas em um ou outro dos 40 espaços públicos (!), onde estão.

Depois, vieram as lembranças do seu ateliê em Saché, na Indre e Loire (centro da França), não longe de Tours, onde visitei Sarkis, um dos artistas que ficaram lá em “residência” nos anos 1990. Passar o dia no ateliê de Calder, revisitado por outro grande artista, esta também foi uma experiência que não se pode esquecer!

Entretanto, o que mais me divertiu, foi recordar de uma anedota que possivelmente poucos conhecem. História que ocorreu na visita de Calder à São Paulo, na casa projetada e habitada pelo arquiteto, engenheiro e poeta Italo Eugênio Mauro, meu saudoso padrasto.

Na época, Italo trabalhava com Henrique Mindlin, dirigindo o seu escritório, e certamente ainda nem imaginava o que aconteceria em seu encontro com o pai dos móbiles. Também não cogitava que quatro décadas depois aceitaria um desafio gigantesco: o de traduzir a Divina Comédia de Dante integralmente e… em versos! Mas esta é uma história que fica para uma outra vez.

Verdade que, àquelas alturas, já ninguém estava muito sóbrio

Mindlin não sabia mais o que fazer para distrair Calder, o seu amigo artista, nas noites paulistanas. Também queria apresentar a ele a “crème de la crème” da cidade. Teve a ideia de pedir a Italo e à primeira mulher dele, que organizassem um jantar em sua residência.

A casa, de meados dos anos quarenta – publicada, se não me falha a memória, no livro de Henrique Mindlin, Arquitetura Moderna no Brasil (1956) – ficava na avenida Rebouças. Não sei se ela ainda existe ou se virou um shopping center, o que é mais provável. Mas o fato é que eu mesma passei várias vezes em sua frente nos anos 1980, curiosa para descobrir a arquitetura modernista do meu padrasto, na paulicéia.

Alexander Calder esteve três vezes no Brasil: em 1948, 1959 e 1960. Este jantar foi na primeira, quando o artista expôs no Ministério da Educação, no Rio, no Masp, e doou a escultura Viúva Negra para o Instituto dos Arquitetos do Brasil, prédio onde Italo possuía o seu escritório de arquitetura.

A recepção, para vários e elegantes convidados escolhidos a dedo, foi preparada com os cuidados que conhecemos das boas famílias daqueles tempos. Calder recusou o champanhe, mas ficou contente em experimentar os acepipes brasileiros, sempre aceitando o uísque da bandeja que o garçom lhe estendia, logo que via o seu copo vazio.

Entre uma e outra delicada iguaria, o artista ia lançando as suas conhecidas e costumeiras pérolas verbais que faziam as pessoas invariavelmente se perguntarem:

– Por que o quociente de inteligência (Q.I.) nem sempre acompanha o quociente de talento (Q.T.) ?

Italo também recusou o champanhe, porém ia ao barzinho modernista do living, de tempos em tempos e de bom grado, preparar ele mesmo o seu martini com vermute Noilly Prat. Ao lado, uma porta corrediça aberta para a ocasião, dava para o seu escritório onde ele arrumava os pincéis, tintas e materiais dos seus trabalhos de arquitetura com a mesma ordem com que seu irmão, o célebre cirurgião de mesmo sobrenome, dispunha os bisturis ao lado das mesas de operação no Hospital Oswaldo Cruz.

Alexander Calder, corpulento e um pouco fanfarrão, corria a sala de copo na mão, surpreso com as paredes vazias daquela mansão. Nenhuma pintura ou desenho “maculava” as paredes.

– Why? (Porque?) perguntou.

Italo, que recitava Baudelaire de memória e preferia de longe falar francês, língua que o seu conviva americano também entendia, respondeu:

– Parce que les tableaux, ça les emmerde! (Por que os quadros as sujam!)

A desfeita

Verdade que o dois já não estavam muito sóbrios, mas a resposta do purista anfitrião que, naquele período mais radical da vida dele preferia proteger a sua arquitetura dos artistas, não agradou Alexander Calder. Este fez cara feia e não disse nada mas, no meio do jantar, levantou-se e, enquanto todos pensavam que ia à toalete, entrou de fininho no escritório ordenado do meu futuro padrasto, acaparando-se de todo material de pintura que pôde encontrar. Ainda sem que ninguém percebesse, dirigiu-se à parede mais imaculada que encontrou na sala de estar e desenhou um enorme híbrido, entre jumento e camelo. Antes de voltar à mesa, não esqueceu de assinar: “Calder 48”. E jogou o material no chão.

Terminada a sobremesa, dirigindo-se ao salão para os digestivos e o café, os convidados descobriram a “obra” e riram muito. Alguns até a elogiaram, um pouco embaraçados diante do silêncio maldisposto do dono da casa. Calder sorria, quase zurrando e/ou blaterando com o jumento-camelo, contente com a desfeita nem tão desfeita assim, pois afinal, “ter um Calder na parede”, segundo devia pensar, “era honra só para privilegiados”… Mas, enquanto todos voltavam a conversar como se nada tivesse acontecido, Italo tirou o material do chão, foi rearrumá-lo em seu escritório, reapareceu, pediu licença e saiu da sala.

Não demorou cinco minutos para que voltasse com um balde de detergente, um pano e começasse a limpar a parede. Ali mesmo, sem a menor hesitação. O silêncio foi geral. Todos observaram atentamente, Calder inclusive, a minúcia com que o meu querido padrasto (que eu ainda não conhecia) apagou cada pedacinho, até as orelhas, daquele animal composto que, em sua ideia, imagino, “emmerdava” o espaço que tinha projetado com tanta precisão. A mesma com a qual traduziria Dante, tantos anos depois.

Henrique Mindlin e sua esposa, por um momento não souberam o que fazer quando viram que Alexander Calder, quase que soltando fogo pelas narinas, tomou a direção da porta sem dizer uma palavra. Logo despediram-se apressados e saíram atrás dele na avenida Rebouças, para conduzi-lo da mesma forma como chegaram. O resto dos convidados permaneceu para comentar o ocorrido.

Alguns ficaram do lado de Italo Eugênio Mauro, outros defenderam Alexander Calder. Eu, se estivesse lá, teria dito a ele, antes que atravessasse a porta:

– Alexander Calder, sóbrio ou não, bom ou mau artista, de todo modo o senhor é um grosso!

Até a próxima, que agora é hoje, e esta é uma deliciosa anedota que faz pensar bastante na relação entre a arte, os artistas, a arquitetura e os arquitetos!

 

Alexander Calder

Foto Marvin W. Schwartz – “Alexander Calder rugindo com o leão do circo”, 1971 Paris

Como visitar o maior museu do mundo?

"Apolo vencedor da serpente Python"
Eu vi! Foi no térreo da asa Denon, na galeria Michelangelo do Louvre! Vi este “Apolo Vencedor da Serpente Píton”, escultura italiana da primeira metade do século 18, fazendo um selfie!

Como visitar o Louvre?

Hoje resolvi tirar folga da crítica e brincar de guia turístico. Adoro dar conselhos práticos. Se, além do mais, os conselhos forem para ver arte, adoro em dobro. Quem já visitou o Louvre, um dos maiores museus do mundo, sabe que ele é uma “cidade” e quem o descobre  pela primeira vez pode ficar perdido.

Se você estiver planejando uma visita, aqui estão as minhas dicas e segredos para aproveitar o máximo este “templo da arte” com uma coleção de quase meio milhão de obras da arte ocidental, desde a Idade Média até 1848, das civilizações antigas que as precederam e influenciaram (orientais, egípcias, gregas, etruscas e romanas) e as artes dos primeiros cristãos e do Islão.

Segurança

Primeiro, é preciso saber que, depois dos atentados, a segurança foi reforçada e o acesso é mais longo por causa do controle. Também é bom saber que o museu não aceita mais malas e que as bolsas ou sacolas não podem ter mais do que  55 cm x 35 cm x 20 cm.

Atenção aos dias de fechamento

Quantas vezes esquecemos o dia em que um museu fecha e, como se dizia antigamente, “damos com os burros n’água”. O Louvre fecha todas as terças-feiras e certos dias feriados: 1° de janeiro, 1° de maio e 25 de dezembro. Antes, é bom se informar.

Escolha um horário esperto

O museu abre das 9h às 18h. Para a sua tranquilidade, aconselho chegar lá pelas 9h30. Você evitará a fila da abertura. Outra boa ideia é ir no final do dia, aproveitando o horário noturno das quartas e sextas  (até às 21h45, sendo que o fechamento das salas é às 21h30)

Evite a pirâmide

Eu sei. Você vai me dizer que, junto com a Mona Lisa e a Vênus de Milo, ela é a obra mais apreciada (e controvertida) do Louvre. Encomendada pelo presidente François Mitterand em 1983 (inaugurada em 1988 e aberta ao público em 1989), esta pirâmide de 21,64 metros de altura, pesando 95 toneladas, foi concebida pelo arquiteto sino-americano Ieoh Ming Pei e precisa ser vista!

É verdade, mas deixe a pirâmide para o final. Como entrada deve ser completamente evitada, todos os turistas estarão lá. Escolha o acesso pelo “Carrousel” (espaço cultural, histórico e shopping center ao mesmo tempo) no número 99 da Rue de Rivoli, que também tem a vantagem do acesso direto pelo metrô “Palais Royal – musée du Louvre”. Desta forma, não haverá espera sob a chuva ou sob um sol de rachar. Resista à tentação de olhar as vitrinas, pensando que você poderá fazer isso depois, como prêmio, pela proveitosa visita cultural que se dispôs a empreender.

Não se arruíne

A tarifa do museu agora é 15 euros, o que inclui o acesso às coleções permanentes, exposições temporárias e ao Museu Delacroix (6 rue de Furstenberg, 75006). A entrada é gratuita para menores de 18 anos e para jovens de 18 a 25 anos (com a apresentação da carteira de identidade). Há também os primeiros domingos de cada mês, entre outubro e março, que são gratuitos para todos.

Se preferir visitar o museu em mais vezes, há dois passes: o “Louvre jeunes” e o “Amis du Louvre”, que oferecem um ano de acesso gratuito, assim como muitas reduções.

Cuidado com os batedores de carteiras

Não é lenda. O Louvre também esteve infestado por bandos de batedores de carteira. Portanto, fique vigilante, sobretudo nas filas de espera e nas salas mais cheias do museu.

Quando a necessidade não é estética

Meu conselho é evitar os lugares situados sob a Pirâmide, que estão sempre cheios, sobretudo os das mulheres. Os melhores são os que se situam logo antes do controle da asa Richelieu (à direita para as mulheres, à esquerda para os homens) ou aqueles no interior do museu, que são muito mais limpos e tranquilos.

Evite o fechamento de certas salas

Algumas salas do museu, menos frequentadas, ficam fechadas um dia por semana. Se quiser ver alguma coisa precisa, é melhor se informar sobre o planejamento de abertura.

Seja esperto

Não fique nas zonas mais frequentadas, sobretudo a asa Denon perto da Mona Lisa e Vênus de Milo. Não hesite em pegar as “travessas” desconhecidas. E não tenha medo de se perder. Ao contrário, neste museu é se “perdendo” que se encontra. Mesmo em dias de muita gente, encontra-se salas onde se está praticamente sozinho. E não há nada mais delicioso do que ter o Louvre só para si.

Uma das minhas salas preferidas, e pouco visitadas, é o novo departamento de artes islâmicas, que é a parte “luminosa” (não a obscura) de uma grande civilização.

 

 

 

Quando a necessidade é do estômago e da alma

Depois de ter satisfeitas as necessidades do espírito, você poderá se ocupar das outras. Victor Hugo dizia que “comer é uma necessidade do estômago, beber é uma necessidade da alma.” O Louvre possui nada menos do que 15 cafés e restaurantes distribuídos entre o museu, o jardim do Caroussel e o jardim das Tulherias. O meu preferido é o Café Marly, cujo terraço dá para a Pirâmide.

Café_Marly

Um pouco de sonho consumista

O meu último conselho é terminar a sua visita, saindo pela Pirâmide que é uma experiência em si. E, por ela, entrar no Caroussel. Entre várias e conhecidas delícias de consumo, chás (Mariage & Frères) e chocolates (Maison du Chocolat) inclusive, há uma imensa livraria e lojinha de lembranças que vale entrar, apenas para olhar.

Até a próxima que agora é hoje, e aqui está o mapa da mina!

 

 

 

Por que a “escultura cinética” da chama olímpica não é arte?

Anthony Howe

 

Agora posso esclarecer sem esforço o que penso da soi-disant “escultura cinética” que acompanha a chama olímpica. Encontrei uma forma bem simples, apenas na troca de mensagens por WhatsApp, com uma querida jovem pessoa. Ela me enviou o link para um vídeo de Anthony Howe há meses, muito antes da abertura dos Jogos Olímpicos, quando ninguém sabia que Howe seria escolhido pelos diretores criativos da cerimônia:

– “Sheilinha, veja que lindas obras de arte!”

– “Obrigada, querida”, respondi. “É bonito, mas é só bonito, ‘de efeito’. Pra mim, não é arte.”

– “Nossa! Achei super lindo…”

– “Também acho lindo, mas parece próximo da decoração. Ficaria perfeito numa festa ao ar livre, não?” (que premonição a minha!)

– “Porque não é arte?”

– “Esse tipo de trabalho cinético já foi feito de maneira muito mais complexa e relevante por músicos, poetas e verdadeiros artistas. Além do mais, você reparou como o vídeo é comercial? O site oficial, então, é mais ainda! Serve para vender os ‘produtos’ aos americanos, como se fossem belos enfeites, bibelôs cinéticos gigantes de jardim. Tem até um formulário de pedido com o precinho camarada inicial de 250 mil dólares, para os ‘mais simples’. E ele diz, no final, que ‘não aceita encomenda de trabalhos pequenos’ (!?)”

– “Mas o Howe tem que vender pra viver!”

– “Claro! Só que eu e você não precisamos, e não devemos, saber que ele tem que vender pra viver, sim? E que ele precisa de 250 mil dólares multiplicados pelo número de ‘esculturas públicas’ que afirma que está vendendo a milionários (ou a eventos milionários como os JO, pensei agora). Você conhece um verdadeiro escultor com preço no site oficial e ‘formulário de pedido’ para os seus objetos? Jean Tinguely, Abraham Palatnik, Julio Le Parc ou Calder fizeram isso? Os verdadeiros artistas vendem, é claro, mas são mais discretos e elegantes. Não fazem as suas obras parecerem ‘produtos de venda por correspondência’, como Howe.”

“Em vez de capturar Pokémon, você pode caçar artistas de mentira…”

No dia seguinte, a minha jovem querida pessoa enviou o link para um vídeo de Theo Jansen, artista que, ao contrário de Howe, é engenheiro e inventor, cria esculturas/criaturas autônomas que se movem por meio de energias naturais, e se inspiram na teoria da evolução genética.

– “Sheila, veja essas esculturas! Achei incríveis… Será que são arte?”

– “Talvez estejam mais perto da ciência… mas, pelo menos, não estão no mundo para causar ‘transe’, ‘hipnotizar’ como as outras. Não são ‘produtos’. Ao menos, Jansen não é ‘decorador’, ‘artesão’ ou ‘fabricante de efeitos especiais’. Penso que, como certos cientistas, é um artista, sim. Assisti à conferência dele. Para o seu trabalho existe um real ‘programa’.”

– “Me explica melhor?”

– “Aqui mesmo, por WhatsApp?”

– “Sim…”

– “O que quer que lhe explique?”

– “Como a gente sabe quando existe ou não um ‘programa’?”

– ‘Se você pergunta é porque já entendeu que é justamente disso que a arte depende para ser ou não arte. Quando existe ou não, só se sabe com certa prática… não há regras.”

– “Parece jogo.”

– “É um jogo! Em vez de capturar Pokémon, você pode caçar ‘artistas de mentira’, de preferência espertalhões, que, por não possuírem programas estéticos, de certa forma são também ‘monstros (impostores) de bolso’.”

– “Hahaha! ??? Boa! Bjs, até +”

 

Até a próxima, que agora é hoje e levei 40 anos para identificar esses tipos de Pokémon não-artistas no meu Pokédex!